Shackleton: Garantia de Sobrevivência

Shackleton

Shackleton: Garantia de Sobrevivência

Em Março de 1916, na praia de uma ilha deserta e gelada do oceano Antártico encontravam-se 28 ingleses a espera de Shackleton. Tremiam de frio e haviam perdido toda a esperança de sobrevivência.

Há 2 anos que pertenciam a uma expedição transantártica. Após terem percorrido cerca de 3000 km enfrentando a imensidade da neve e os gigantescos bancos de gelo que haviam esmagado e afundado o seu navio, o Endurance, 5 meses atrás.

Encontravam-se exaustos e enfermos. Alguns dias antes tinham abandonado, nos 3 pequenos barcos que lhes restavam, o banco flutuante de gelo onde se haviam acolhido. O seu chefe planejara o caminho para a ilha do Elefante, a sudeste do cabo Horn. E agora até aquele lúgubre refúgio tinham de abandonar.

As rajadas que varriam a praia reduziam a farrapos as suas tendas; os víveres, constituídos por carne de pinguim e algas marinhas, começavam a esgotar-se.

Gelados e esfomeados, os homens voltavam-se de novo como o haviam repetidamente feito ao longo de todo o pesadelo – para aquele cuja calma e coragem até então os salvara.

Sir Ernest Shackleton

De elevada estatura e ombros largos, com uma face angulosa sob sobrancelhas escuras, Sir Ernest Shackleton parecia um grande rochedo pensativo: o rochedo a que os homens se agarram quando perdem a esperança.

Temos de chegar a um ponto onde um navio possa recolher-nos, disse ele, calmamente. Embora fosse arriscado empreender uma longa jornada num barco pequeno, Shackleton pediu voluntários. E todos os homens se ofereceram para tentar a façanha.

Foram escolhidos 5 para acompanhar Shackleton na viagem de 800 milhas até à Geórgia do Sul, através do mais perigoso oceano do Mundo, num barco de apenas 6,50 m de comprimento. Eram eles Worsley, comandante do navio esmagado, Tom Crean, Timothy McCarthy, McNeish, o carpinteiro, e Vincent, o contramestre. Calafetaram e lastraram o James Caird, uma embarcação leve cuja quilha reforçaram com o mastro de outro barco. Prepararam-se então para partir.

A Busca por Resgate

Ao lançarem a embarcação ao mar, 2 homens caíram pela borda fora e um rochedo abriu no casco uma fenda que os restantes vedaram com uma espicha. Finalmente, armazenaram as provisões e partiram.

A partida foi difícil. Uma rajada quase trouxe de novo a embarcação para o banco de gelo. Este contratempo grave provocou a seguinte afirmação de Shackleton: «Comandante, se alguma coisa acontecer enquanto esses rapazes estão à espera, sentir-me-ei um assassino.

Mas o barco prosseguiu o seu caminho. Sob a coberta de lona havia um espaço limitado onde se acumulavam as provisões e o lastro e os homens se apertavam nos seus sacos de dormir saturados de umidade. Ao findar, como ao recomeçar do dia, os náufragos reencontravam a mesma atmosfera de desânimo e desespero.

Cada onda que batia contra o barco curvava-se sobre nós como um arco escreveu Shackleton mais tarde. – De três em três ou de quatro em quatro minutos ficamos encharcados. Vagas gigantescas caíam sobre nós como se estivéssemos sob uma catarata. Depois, antes de a próxima vaga rebentar, outras ondas mais pequenas cobriam a embarcação e molhavam-nos de novo. Isto prosseguia dia e noite. O frio era intenso.

Navegação Desafiadora até a Geórgia do Sul

Shackleton, que sofria terrivelmente de ciática, mantinha-se bem disposto. Enquanto tentava encontrar a posição do barco com o sextante, Worsley tinha de ser seguro por 2 homens, a fim de não ser lançado pela borda fora. Ao fim de uma tarde, através da neblina que esfumava o sol, o comandante descobriu terra – a Geórgia do Sul!

Nessa noite, um temporal violento arremessou-os em direção à costa. Tinham tanta sede que dificilmente conseguiam engolir, os seus lábios estavam gretados, a espuma saltava do barco a grande altura e o vento uivava impiedosamente. Aproximavam-se de uma ilha minúscula, o que os obrigava a optar entre ancorar ou rodeá-la, em busca de águas mais calmas. «Esta serve “, disse Worsley. «É claro que serve – replicou Shackleton. – Tem mesmo de servir.

Shackleton Decide Cruzar a Ilha

No dia seguinte, o explorador propôs irem a terra e atravessarem a ilha até à estação de baleeiros que existia do outro lado. Nenhum ser humano sabia o que se ocultava por detrás daqueles glaciares e montanhas cobertas de neve da Geórgia do Sul. Mas Shackleton estava resolvido a tentar atravessá-los; se o seu barco fosse esmagado contra as rochas ao contornar a ilha, os seus homens na ilha do Elefante morreriam.

Desembarcaram nas margens do estreito do Rei Haakon e encontraram uma gruta, onde caçaram e mataram crias de albatrozes, de que se alimentaram; os homens estavam tão esfomeados que até os ossos devoraram. Perto havia uma corrente de água, que lhes soube a néctar. Cobriram umas rochas de folhas e musgo, sobre os quais se deitaram. Pela primeira vez em 2 semanas puderam repousar e dormir.

No dia 19 de Maio de 1916, o tempo clareou, brilhou o luar e Shackleton, Crean e Worsley iniciaram a travessia da ilha, deixando ficar 3 homens que não estavam em condições de viajar. Os membros do grupo, que Worsley dirigia com a sua bússola, caminhavam ligados entre si. Internaram-se em passagens sem saída, desorientaram-se e quase regressaram até ao mar, o que os obrigou a retroceder, e estiveram prestes a cair num abismo gigantesco, de 60 m de profundidade e outros tantos de largura.

Deslisando para a Salvação

Finalmente, chegaram a uma crista tão aguçada que poderiam sentar-se nela e balançar as pernas de ambos os lados. O nevoeiro e a escuridão impediam-lhes a retirada, mas, se se mantivessem imóveis, morreriam de frio. Cavar degraus na encosta gelada era uma tarefa tão lenta que resultava inútil. Depois de ponderar um momento, Shackleton decidiu: “É um risco do diabo, mas temos que correr. Vamos deslizar.”.

“Cada um de nós enrolou o seu pedaço de corda, formando assim almofadas sobre as quais encarregaremos”. Recordou Worsley mais tarde.  Shackleton sentou-se num degrau que cavara e eu pus-lhe os braços em volta do pescoço, agarrando-o por detrás. Crean fez o mesmo em relação a mim, de forma que ficámos os três unidos como um nó. Então Shackleton arrastou-nos.

Parecia que voávamos pelo espaço. Durante um momento, puseram-me os cabelos em pé. Depois, subitamente, experimentei uma sensação agradável que me fez sorrir. Gostava realmente. Deslizamos pela encosta de uma montanha íngreme a quase quilômetro e meio por minuto. Gritei de excitação e compreendi que Shackleton e Crean também gritavam. Parecia ridículamente seguro. Ao diabo os rochedos! Pouco a pouco a nossa velocidade foi-se reduzindo e acabámos no fundo da encosta num monte de neve. Levantamo-nos e, solenemente, apertámo-nos as mãos.

Estação Baleeira

Quando finalmente chegaram à estação de baleeiros, depois de terem atravessado a Geórgia do Sul em 36 horas, os 3 homens tinham um aspecto tão lamentável que o comandante, que os recebera 2 anos antes, os não reconheceu. O cabelo de Shackleton embranqueceu. Quando Worsley regressou ao estreito do Rei Haakon para recolher os 3 homens que ali haviam permanecido, também estes o não reconheceram. Um banho, a barba feita e roupas limpas haviam transformado a sua aparência anterior.

Todos os homens na ilha do Elefante se encontravam bem, à excepção de um rapaz, cujos dedos dos pés haviam sido amputados. Tinham vivido durante 4 meses e 15 dias debaixo de 2 barcos voltados ao contrário, batidos por furacões e cobertos pelo gelo das montanhas. Assim acabou a última grande expedição de Ernest Shackleton.

A memória da sua odisseia por mar e por terra – uma das mais audaciosas aventuras no Antárctico reflecte-se nas palavras de um companheiro de explorações: “Para orientação científica, dêem-me Scott; para viagens rápidas e eficientes, Amundsen; mas numa situação desesperada, ajoelhem e rezem por Shackleton.”

https://www.britannica.com/biography/Ernest-Henry-Shackleton
Os Mistérios da Antártica: Enigmas e Curiosidades do Continente Gelado